fotodocumento - 75RAW
- Mari Ferreira
- 25 de abr. de 2024
- 3 min de leitura
por Mariana Ferreira
A imersão em narrativas é o feitio da fotografia, fazendo do feitio um feitiço, o olhar de Rodolfo cativa o que há de mais profundo da trama de estudos da vida prática, da fantasia, do cotidiano, da fé, das festas, dos cabelos e das forças que tensionam a vida das pessoas. Advém do olhar de quem está, também, se observando enquanto captura o outro, porque fotografa como quem dança pelas experiências sensoriais das ruas da Bahia.

colagem por: MARCOS VINÍCIUS²
Rodolfo Jesus, nascido e criado em Mutuípe, se lançou indomável pelos labirintos do Recôncavo-Sul baiano. Fiel à sua postura vigilante, costurou a poética do seu olhar a próprio punho, e escreveu em sua órbita imagens sob o prisma da observação permanente, carregando consigo além de lentes, destreza, sagacidade e clarividência.
Os registros da experiência devir masculina negra, inscrita nas escarificações do corpo do fotógrafo, se materializam em seu trabalho. Como quem elabora estratégias para romper com as limitações da existência, ele incorpora os símbolos de um povo para se lançar no futuro consciente das distopias que nos cercam, recolhendo arquivos de memória, por vezes de forma tão real que alucina, dissolve.
Um exercício em flashing lights de filho do Sol, de um cidadão do mundo. O não-lugar do corpo habitado por Rodolfo confronta as forças que nos aniquilam enquanto povo, engendrando um olhar tensionado pela marginalidade, um olhar permeado pela desautorização operada nos regimes de poder.
A dicotomia das fotos perturba ao propor a coexistência entre ambições, violências, festas, repulsas e carências, escancara a densa performance de felicidade, o sagrado, o conflito e a descrença… É uma submersão na perspectiva da fotografia enquanto arquivo de memória, pensando em viabilizar o processo de resgate das dignidades roubadas pela realidade de múltiplas violências, documentando e registrando a existência, conversando e costurando experiências individuais e coletivas, objetivando re-construir e restituir a auto-imagem como reflexo do coletivo.
Suas fotos transmitem um diálogo profundo, visual e tátil-sensorial entre as vivências e construções da diáspora afrikana na Bahia. Busca trabalhar as subjetividades, delinear as trajetórias, consciente de executar um trabalho anticolonialista, por todos os meios necessários, “Excitando dispositivos premonitórios que sirvam à proliferação de narrativas que nos permitam simultaneamente estudar o terror e conceber formas coletivas de atravessá-lo” (MOMBAÇA, 2021).
A máquina fotográfica é uma arma colonial, tanto quanto a bíblia e, até mesmo, quanto a arma de fogo, sendo um instrumento das ficções de poder que materializam as políticas que movimentam o mundo. O sistema de representações simbólica da história de um povo cimenta toda a engenharia e arquitetura dos dispositivos de poder. Além de conclamar a assimetria de desenvolver atividades as quais não foram pensadas para os nossos corpos, o foto-documento que vem sendo desenvolvido ainda se faz como uma possibilidade narrativa que rompe com a proposta de mundo tal qual fomos apresentados.
A territorialidade da fotografia é uma territorialidade amiga íntima de homens negros, é uma territorialidade fluente na língua dos silêncios, das outras formas de comunicar, reside em um falar que vibra, que colore, que expressa e movimenta. É uma estratégia de falar que se encaixa perfeitamente em corpos habitados por silêncios, sejam eles silêncios táticos, sejam eles silêncios epistêmicos. Mais abissal que o que se pode falar é o que se vê! O que se percebe é volátil ao ponto de não caber em discursos e palavras, penetra antes de ser inteligível.
Todo esse trabalho é resultado de uma trajetória jovem, ousada e que, além de consciente do chão que pisa, também é comprometida com o que a cabeça pensa. Caminho de quem se fez indomável desde cedo, dono do seu próprio jogo de lentes, é registro de quem não sai sem documento e sem luz no bolso, de quem fotografa para contar história. Apesar da pouca idade, ele se lança no futuro com a segurança de quem esteve antes e a dança malandra dos registros experimentalistas confere-lhe senioridade, posto.
¹ Autora do livro de poesias DAREN (2021) e do livro de contos PIVA (2024), coordenadora criativa e curadora artística. Também é artista multilinguagem, experimentalista e artesã da Balangandã. Articuladora cultural desde 2014, condutora da Biblioteca Comunitária D. Edite Rodrigues, além de ser podcaster e editora do AKANNI podcast, gestora do acervo histórico-fotográfico e impulsionadora do Baile Pelo Certo e produtora do Baile Fuzuê. Coordena o núcleo literário do UNIVERSO 75 e é Social Media do Ibori Studio. Contato: pretamariferreira02@gmail.com
² Homem negro, nascido em Cruz das Almas, Recôncavo Baiano. Poeta, colagista e graduando em Direito pela Universidade do Estado da Bahia - Campus XV, integrante do Grupo de Assessoria Jurídica Popular ( GAJUP) e articulado junto à Teia dos Povos.
Kommentit